fonte: MedScape
A partir de pesquisa realizada em 2021 com 68 mil jovens brasileiros, livro publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) traz um diagnóstico do impacto da covid-19 em aspectos como trabalho, estudo e saúde mental dessa população.
Intitulado “Jovens e saúde: revelações da pandemia no Brasil 2020-2022”, [1] o livro foi publicado em formato digital (e-book) e apresenta análises dos resultados da “2ª edição da pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus” feitas por pesquisadores de Brasília, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo.
A iniciativa pretende ajudar os profissionais da saúde a traçarem estratégias para melhorar o atendimento aos jovens.
A primeira parte aborda como os jovens foram afetados pela pandemia, associando esses efeitos com o contexto social, político e econômico em que vivem. Na segunda parte, autores convidados analisam as condições de vida e saúde dos jovens brasileiros em relação a autocuidado; trabalho, território e educação; gênero e raça; informação e comunicação; e vida pública.
Um dos pontos destacados é o fato de a covid-19 se manifestar de formas diferentes nas populações mais jovens. “Com novas variantes do coronavírus circulando no Brasil e baixas taxas de vacinação, é importante atentar para as oscilações no padrão de ocorrência da doença conforme a faixa etária”, salientou o sanitarista Raphael Mendonça Guimarães, pesquisador na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, e um dos autores do e-book. “Os protocolos de rastreamento nas unidades que são porta de entrada do sistema de saúde precisam estar adaptados a essa realidade”, acrescentou. Segundo o pesquisador, pacientes entre 15 e 29 anos de idade devem ser rastreados para covid-19 mesmo que não apresentem sintomas respiratórios, porque podem estar apresentando sintomas atípicos. Ele também relatou que tem observado quadros de cefaleias e sintomas gastrointestinais, como dor abdominal e vômitos, em pacientes jovens positivos para covid-19 e sem manifestação respiratória ou algo parecido.
O “rejuvenescimento” da pandemia aconteceu, segundo o pesquisador, porque os primeiros dois anos e meio da covid-19 no Brasil foram marcados por distintas dinâmicas demográficas. Em um dado momento, quando ainda se iniciava a vacinação seletiva para idosos e profissionais de saúde, as pessoas mais jovens voltaram às suas atividades cotidianas. Logo, a população economicamente ativa e jovem, de 15 a 29 anos, voltou a se concentrar em determinados locais, como o transporte público, porém sem proteção, visto que a vacinação para este grupo etário ainda não havia começado. A isso se somou a introdução de novas variantes no país.
Neste momento, mais pacientes jovens foram internados por períodos longos, o que provocou a falta de leitos hospitalares. Desde então, houve uma reorientação aos médicos para que detectassem sinais precoces da doença na população jovem, a fim de evitar internações em unidades de terapia intensiva. “Como na juventude há uma prevalência menor de doenças crônicas ou inflamatórias do que nos pacientes idosos, o início da covid-19 tende a ser mais insidioso e, muitas vezes, assintomático”, explicou o sanitarista.
Em relação à prevenção, Raphael lembrou que também cabe aos médicos insistirem para que a população jovem, nesses momentos de maior transmissão da covid-19, volte a usar máscara em locais fechados e tome todas as doses da vacina. Para ampliar a cobertura vacinal, ele sugeriu inserir as campanhas de vacinação em escolas e universidades. Além disso, disse que é essencial, especialmente em períodos de eventos de massa, garantir a testagem de forma adequada. “Este talvez tenha sido um dos maiores erros do Brasil na pandemia: a gente só testava quem tinha sintomas, e quem não apresentava sintomas seguia transmitindo livremente a doença”, argumentou. A exigência da vacina para entrar em shows e festas é uma maneira de conter a proliferação do coronavírus.
A sanitarista Bianca Borges Leandro, professora e pesquisadora na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) da Fiocruz, que assina um dos capítulos do livro, enfatizou a necessidade de os médicos e demais profissionais da saúde ampliarem os seus olhares sobre a juventude para cuidar de mais questões apontadas no estudo nacional. “Há um certo senso comum em associar ‘problemas de jovens’ a gravidez indesejada, uso de álcool e outras drogas”, afirmou. No entanto, tentativas de suicídio e automutilação — abordados no capítulo sobre jovens e saúde mental — têm sido mais frequentes na procura por serviços de saúde, e nem sempre há profissionais preparados para lidar com estes casos.
Segundo a sanitarista, o adoecimento mental é cercado por estigmas e tratado geralmente com medicalização. Queixas de insatisfação, cansaço e melancolia não devem ser menosprezadas, afirmou. Ela lembrou que a pandemia afetou a espiritualidade da juventude, já que os espaços para proferir a fé são também lugares voltados para o bem-estar individual e a integração social.
Entre as recomendações feitas pela pesquisadora, estão ainda a atenção à insegurança alimentar e às dificuldades de acesso à renda, que foram registradas no levantamento nacional. “O atendimento precisa ser articulado com outros setores para avaliar se há a possibilidade de as famílias dos jovens receberem algum benefício da assistência social, de organizações de apoio ou de redes na comunidade para auxiliar na reinserção nas escolas, por exemplo, local onde têm comida e proteção”, disse.
Sobre postos de trabalho, a pesquisa mostrou que os serviços de entrega por moto, que se tornaram mais populares durante a pandemia de covid-19 (e cujas condições de trabalho são bastante precárias), foram ocupados principalmente por jovens homens negros. Nos consultórios médicos, os resultados aparecem na forma de traumas por acidentes automobilísticos e lesões por esforço repetitivo.